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Editado por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 1987 Nora Roberts

© 2014 Harlequin Ibérica, S.A.

Demasiados segredos, n.º 48 - Agosto 2014

Título original: Mind Over Matter

Publicado originalmente por Silhouette® Books

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), acontecimentos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença. As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-687-5421-5

Editor responsável: Luis Pugni

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño

Um

 

Esperava uma bola de cristal, estrelas de cinco pontas e folhas de chá. Também não se teria surpreendido com velas e incenso. Embora não o tivesse admitido a ninguém, na verdade, era isso que queria encontrar. Como produtor de documentários para a televisão pública, David Brady procurava sempre dados objetivos e baseados numa investigação meticulosa. Toda a informação que as suas produções incluíam era confirmada mais de uma vez e, na maior parte das vezes, pessoalmente. Por isso pensara que passar uma tarde com uma cartomante seria um alívio refrescante e divertido depois de ter dedicado o dia à pressão de orçamentos e guiões. Contudo, aquela cartomante nem sequer usava turbante.

A julgar pelo aspeto da mulher que acabara de o receber naquela casa acolhedora de Newport Beach, diria que era mais provável encontrá-la a jogar bridge com as amigas do que numa sessão de espiritismo. Cheirava a açucenas e a pós de maquilhagem e não havia cheiros almiscarados ou misteriosos. David teve a impressão de que era a governanta ou a companheira daquela vidente conhecida, mas a anfitriã corrigiu-o imediatamente.

– Olá! – ofereceu-lhe uma mão pequena e cuidada e um sorriso. – Sou Clarissa DeBasse. Entre, por favor, senhor Brady. É muito pontual.

– Senhora DeBasse.

David afastou os seus pensamentos e aceitou a mão que lhe oferecia. Documentara-se o suficiente para não se surpreender com a aparente normalidade das pessoas que se relacionavam com o mundo do paranormal.

– Agradeço-lhe por se mostrar disposta a receber-me. Devia estar espantado por saber quem sou?

Sem lhe soltar a mão, Clarissa DeBasse deixou-se embargar pelas impressões daquele primeiro contacto com David Brady, impressões que analisaria mais adiante. Intuitivamente, soube que era um homem em quem poderia apoiar-se e confiar. Por enquanto, era mais do que o suficiente.

– Podia gabar-me e dizer que foi uma premonição, mas receio que seja uma questão de lógica. Esperava-o à uma e meia – a agente ligara-lhe para lho recordar. Caso contrário, certamente, Clarissa ainda estaria a trabalhar no jardim. – Suponho que seria possível que tivesse apenas escovas e amostras de champô nessa pasta, mas tenho a sensação de que tem documentos e contratos. E também tenho a certeza de que, depois de ter viajado até aqui de Los Angeles, gostaria de beber um café.

– E volta a ter razão.

David entrou numa sala de estar de aspeto acolhedor, com cortinas azuis nas janelas e um sofá enorme que se afundava notavelmente no centro.

– Sente-se, senhor Brady. Acabei de trazer a bandeja, portanto, o café ainda está quente.

Desconfiando daquele sofá, David sentou-se numa cadeira e esperou enquanto Clarissa se sentava à frente dele e servia duas chávenas de café. Demorou um instante a analisar a situação. David era um homem que confiava plenamente nas primeiras impressões. Clarissa, que naquele momento estava a oferecer-lhe açúcar e creme para o café, fazia-o pensar em qualquer uma das suas tias favoritas. Tinha um pouco de peso a mais, apesar de não ser considerada uma mulher cheia, e era limpa e ordenada sem ser rígida. Tinha um rosto de feições suaves e delicadas e poucas rugas para os seus cinquenta e muitos anos. O cabelo, loiro, tinha um corte moderno. David atribuiu a falta de cabelos brancos às mãos da cabeleireira. Todos tinham o direito de ser vaidosos, pensou David. Quando Clarissa lhe ofereceu a chávena, reparou na sinfonia de anéis que adornava as mãos dela. Aquele era o único detalhe que se ajustava à imagem que tinha de Clarissa antes de a ver.

– Obrigada, senhora DeBasse. Sabe, tenho de lhe dizer que não é como imaginava.

Clarissa DeBasse, uma mulher que, evidentemente, se sentia bem consigo própria, recostou-se.

– Suponho que esperava que o recebesse com uma bola de cristal nas mãos e um corvo no ombro.

A diversão que aparecia nos olhos dela teria bastado para que muitos homens se mexessem na cadeira, incomodados. David limitou-se a arquear uma sobrancelha.

– Algo parecido – bebeu um gole de café. O facto de estar quente foi a única coisa que o encorajou a continuar a beber. – Li muito sobre si durante estas últimas semanas. Também vi a gravação do Barrow Show – tentou procurar uma maneira de lho dizer de forma delicada. – À frente das câmaras mostra uma imagem diferente.

– Isso faz parte do espetáculo – indicou, com tanta naturalidade que David se questionou se estaria a ser sarcástica. Contudo, continuava a observá-lo com uns olhos amistosos. – Normalmente, não gosto de falar de negócios e muito menos em minha casa, mas como me pareceu que era importante poder entrevistar-me, pensei que estaríamos mais confortáveis aqui – sorriu novamente, mostrando umas covinhas quase invisíveis nas faces. – Mas receio que o tenha desiludido.

– Não – e falava a sério, – não me desiludiu.

Como a educação já não dava para mais, pousou o café na mesa.

– Senhora DeBasse...

– Clarissa.

Esboçou um sorriso radiante que David não teve problema algum em retribuir.

– Clarissa, quero ser sincero contigo.

– Oh, isso é sempre o melhor – a voz dela era delicada e sincera enquanto punha as mãos no colo.

– Sim – a confiança inocente dos olhos dela fê-lo hesitar por um instante. Se era uma mentirosa curtida e apenas interessada no dinheiro, sabia como escondê-lo. – Sou um homem prático. Os fenómenos paranormais, a clarividência, a telepatia e esse tipo de coisas não encaixam com a minha forma de vida.

Clarissa limitou-se a responder com um sorriso carregado de compreensão. Independentemente do que pensasse, não lho disse. Daquela vez, David mexeu-se na cadeira, incomodado.

– Decidi fazer este documentário sobre fenómenos paranormais principalmente por causa do valor que têm como entretenimento.

– Não tens de te desculpar – levantou a mão e, naquele momento, um gato preto saltou para o colo dela. Sem olhar para ele, Clarissa acariciou-o desde a cabeça até à cauda. – Sabes, David? Uma pessoa que está na minha posição compreende perfeitamente as dúvidas e o fascínio que as pessoas sentem por... Este tipo de coisas. Não sou radical.

O gato aninhou-se no colo dela e ela continuou a acariciá-lo. O animal parecia tranquilo e satisfeito.

– Simplesmente – continuou a dizer Clarissa, – sou uma pessoa que tem um dom e, portanto, uma certa responsabilidade.

– Uma certa responsabilidade?

David começou a procurar o tabaco no bolso, mas percebeu que não havia cinzeiros na casa.

– Oh, sim! – enquanto falava, Clarissa abriu uma gaveta da mesinha do café e tirou um cinzeiro redondo. – Podes usar este.

Deu-lho e voltou a recostar-se.

– Um jovem pode receber uma caixa de ferramentas no dia do seu aniversário. É um presente, um dom. A partir daí, terá de tomar decisões. Pode usar a caixa de ferramentas para aprender, para construir, para reparar... Mas também pode usar as ferramentas para serrar as pernas da mesa. Até pode guardar a caixa num armário e esquecê-la para sempre. Isso é o que muitos de nós fazem, porque as ferramentas são muito complicadas ou, simplesmente, nos assustam. Alguma vez tiveste uma experiência paranormal, David?

David acendeu um cigarro.

– Não.

– Não? Não há muitas pessoas que possam responder de maneira tão terminante. Nunca tiveste uma sensação de déjà vu, por exemplo?

David interrompeu-se por um instante, repentinamente interessado.

– Suponho que todos têm alguma vez a sensação de estar a fazer uma coisa que já fizeram ou de ter estado antes num lugar supostamente novo. Às vezes, também temos a sensação de receber sinais.

– A intuição consiste nisso.

– E consideras que a intuição é um dom paranormal?

– Oh, claro que sim – o entusiasmo iluminou o rosto dela, fazendo-a parecer muito mais jovem. – É óbvio, isso depende completamente de como se desenvolve e de como é canalizada e usada. A maior parte de nós só usa uma pequena percentagem porque a nossa mente está ocupada com muitas outras coisas.

– Foi a intuição que conduziu a Matthew Van Camp?

Os olhos de Clarissa toldaram-se.

– Não.

Mais uma vez, voltou a perturbá-lo. Fora o caso Van Camp que a transformara numa vidente conhecida. David esperava que estivesse desejosa de falar do que se passara e, no entanto, Clarissa DeBasse pareceu fechar-se em copas ao ouvir aquele nome. David expirou uma baforada de fumo e viu que o gato o observava, aborrecido, mas com firmeza.

– Clarissa, o caso Van Camp já tem dez anos, mas continua a ser um dos teus êxitos mais célebres e controversos.

– Isso é verdade. Matthew já tem vinte anos. Transformou-se num jovem muito atraente.

– Há muitas pessoas que pensam que agora estaria morto se a senhora Van Camp não tivesse lutado para que tanto a polícia como o marido deixassem que participasses na investigação do sequestro.

– E há muitas outras pessoas que pensam que foi uma estratégia para conseguir publicidade – indicou Clarissa, com calma, enquanto bebia um gole de café. – O filme seguinte de Alice Camp foi um êxito de vendas. Viste o filme? Era maravilhoso.

David não era um homem fácil de distrair quando tinha um objetivo.

– Clarissa, se quiseres participar neste documentário, gostaria que falássemos do caso Van Camp.

Clarissa franziu o sobrolho e insinuou um beicinho quase impercetível enquanto acariciava o gato.

– Não sei se poderei ajudar-te nisso, David. Para os Van Camp, foi uma experiência muito traumática. Muito. Voltar a falar do assunto poderia causar-lhes muita dor.

David não teria alcançado o nível de êxito de que desfrutava se não soubesse onde e quando negociar.

– E se os Van Camp se mostrarem de acordo?

– Oh, nesse caso, seria completamente diferente – enquanto Clarissa pensava nisso, o gato espreguiçou-se no colo dela e começou a ronronar. – Sim, completamente diferente. Sabes, David? Admiro o teu trabalho. Vi o teu documentário sobre as crianças maltratadas. Cativava imediatamente a nossa atenção, embora fosse angustiante.

– Tinha de ser assim.

– Sim, exatamente.

Clarissa poderia ter-lhe falado de como o mundo podia ser angustiante e triste, mas pensava que David não estava preparado para compreender como sabia e de que maneira o enfrentava.

– O que procuras exatamente com isto? – quis saber Clarissa.

– Um bom espetáculo – ao ver Clarissa a sorrir, David percebeu que fizera bem ao não tentar enganá-la. – Um programa que faça com que as pessoas pensem e façam perguntas.

– Também queres fazer perguntas?

David apagou o cigarro.

– Eu sou o produtor. O tipo de perguntas que faço dependerá de ti.

Parecia-lhe não só a resposta mais apropriada, mas também a mais sincera.

– Gosto de ti, David. Penso que gostaria de te ajudar.

– Fico feliz por o ouvir. Suponho que quererás dar uma olhadela ao contrato e...

– Não – interrompeu-o, quando estendeu a mão para a pasta. – Esses são detalhes sem importância – explicou, indicando-lhe com um gesto da mão que parasse. – A minha agente toma conta dessas coisas.

– Fantástico – de facto, também se sentiria melhor a falar desse tipo de assuntos com a representante dela. – Vou enviar-lhe toda a documentação, se me disseres o nome.

– Agência The Fields, em Los Angeles.

Clarissa voltara a surpreendê-lo. Aquela mulher com aspeto de dona de casa afável trabalhava com uma das agências mais influentes e prestigiosas da zona.

– Vou enviar-lhes tudo esta mesma tarde. Gostaria de trabalhar contigo, Clarissa.

– Posso ver a palma da tua mão?

Cada vez que David acreditava que a compreendera, Clarissa voltava a surpreendê-lo. Estendeu-lhe a mão.

– Vou fazer uma viagem que vai obrigar-me a atravessar o Atlântico?

Clarissa não se mostrou divertida nem ofendida. Embora pegasse na mão e virasse a palma para cima, mal olhou para ela. Pelo contrário, estudou-o com uma expressão que pareceu tornar-se bruscamente fria. Viu um homem de trinta e poucos anos, atraente de uma forma quase misteriosa, apesar do cabelo preto e perfeitamente cortado e das roupas elegantes. Tinha uma cara de feições marcadas, suficientemente angulosa para garantir um segundo olhar. As sobrancelhas eram espessas e tão pretas como o cabelo e os olhos eram surpreendentemente tranquilos. Ou, pelo menos, era o que aqueles olhos de cor verde-clara aparentavam depois de um primeiro olhar. Clarissa observou que a boca era firme e suficientemente cheia para ganhar a atenção de uma mulher. A mão que retinha entre a dela era grande, de dedos compridos, uma mão de artista. A mão de um homem alto e de porte atlético. No entanto, Clarissa via mais à frente do aspeto físico.

– És um homem muito forte, tanto física como emocional e intelectualmente.

– Obrigado.

– Oh, não estou a elogiar-te, David – foi uma recriminação delicada, quase maternal. – Ainda não aprendeste a moderar essa força com a ternura nas tuas relações. Suponho que foi por isso que nunca te casaste.

Conseguira ganhar toda a sua atenção. Porém, não tinha aliança, recordou-se David. E qualquer pessoa que tivesse algum interesse em descobrir qual era o seu estado civil só precisaria de fazer algumas investigações.

– A resposta normal é que ainda não conheci a mulher adequada.

– Neste caso, é verdade. Precisas de encontrar alguém que seja tão forte como tu. E vais fazê-lo mais depressa do que pensas. Não será fácil, é óbvio, e só funcionará se ambos se lembrarem da ternura de que acabei de te falar.

– Portanto, vou conhecer a mulher da minha vida, vou casar-me com ela e vou ser eternamente feliz ao lado dela?

– Eu não prevejo o futuro, nunca – a expressão dela voltou a mudar, tornando-se plácida. – E só leio a mão das pessoas que me interessam. Posso comunicar-te o que a minha intuição me diz, David?

– Por favor.

– Tu e eu vamos ter uma relação longa e interessante – deu-lhe uma palmadinha na mão, antes de a soltar. – Uma relação de que vou desfrutar.

– Eu também, Clarissa – levantou-se. – Voltaremos a ver-nos, Clarissa.

– Sim, é óbvio – levantou-se, pôs o gato no chão. – Vai, Mordred, vai!

– Mordred? – repetiu David, enquanto o gato saltava para cima do sofá para voltar a deitar-se confortavelmente.

– Sim, uma figura triste da mitologia celta – explicou Clarissa. – Sempre tive a sensação de que não foi bem tratado. Ao fim e ao cabo, não podemos escapar do nosso destino, pois não?

Pela segunda vez, David sentiu aquele olhar frio e estranhamente íntimo sobre ele.

– Suponho que não – murmurou e permitiu que Clarissa o conduzisse até à porta.

– Gostei muito da nossa conversa, David. Por favor, volta.

David saiu novamente para o calor da primavera, interrogando-se porque tinha a certeza de que o faria.

 

 

– É óbvio que é um produtor excelente, Abe. Mas não sei se é adequado para Clarissa.

A.J. Fields passeava pelo escritório com aquele passo longo e fluido com que escondia a sua energia transbordante. Deteve-se para endireitar um quadro ligeiramente inclinado, antes de se virar para o sócio. Abe Ebbitt estava sentado com as mãos entrelaçadas por cima da barriga avultada, uma posição habitual nele. Não se incomodou em empurrar os óculos que estavam quase na ponta do nariz. Observou A.J. pacientemente, antes de estender a mão para uma das escassas madeixas de cabelo que tinha ao lado da cabeça.

– A.J., a oferta é muito generosa.

– Clarissa não precisa de dinheiro.

Abe Ebbitt sentiu que o sangue congelava nas veias ao ouvir aquela frase, mas continuou a falar com calma.

– Vai dar-lhe publicidade.

– E precisa desse tipo de publicidade?

– És muito protetora com ela, A.J.

– É para isso que estou aqui, para a proteger – contradisse.

Deteve-se de repente e sentou-se no canto da secretária. Quando Abe viu que franzia o sobrolho, decidiu permanecer em silêncio. Sabia que poderia continuar a falar, mas que ela nem sequer responderia. Respeitava-a e admirava-a. Era por isso que um representante veterano de Hollywood estava a trabalhar para a Agência Fields, em vez de ter criado a sua própria agência. Tinha idade suficiente para ser o pai dela e sabia que, há uma década, os papéis teriam estado invertidos. Porém, o facto de trabalhar às ordens de A.J. não o incomodava. Não se importava de trabalhar para o melhor. Passaram dois minutos.

– Ela também está decidida a fazê-lo – murmurou A.J., mas Abe continuou em silêncio. – Eu só... – tinha um pressentimento, pensou. Mas odiava usar aquela frase. – Só espero que não seja um erro. Um diretor e um formato inadequado e poderia acabar por fazer uma figura ridícula. Eu não quero isso, Abe.

– Penso que não estás a dar a Clarissa a confiança que merece. E sabes melhor do que ninguém que não deves deixar que os teus sentimentos se interponham num negócio, A.J.

– Sim, eu sei.

Era por isso que era quem era. A.J. Cruzou os braços e recordou-se disso. Aprendera muito cedo a canalizar os seus sentimentos. Não porque era algo importante, mas porque era vital para ela. Ao crescer com uma mãe viúva que, com frequência, esquecia detalhes como pagar a renda, aprendera a lidar com os problemas com eficiência e seriedade para não sucumbir a eles. Trabalhava como agente porque gostava de regatear e negociar. E porque era muito boa no seu trabalho. O seu escritório de Century City, com a sua vista majestosa de Los Angeles, era uma prova disso. Mesmo assim, não chegara onde estava a fazer acordos às cegas.

– Decidirei depois da reunião que tenho esta tarde com ele.

Abe sorriu ao reconhecer aquele olhar.

– Quanto mais tencionas pedir?

– Penso que outros dez por cento – pegou numa caneta e bateu com ela na palma da mão. – Mas, primeiro, tenciono descobrir em que vai consistir esse documentário e de que perspetiva quer abordá-lo.

– Dizem que Brady é um homem duro.

A.J. esboçou um sorriso enganosamente doce.

– Também dizem isso de mim.

– Pobre David, não sabe o que vai enfrentar – Abe levantou-se e ajustou o cinto das calças. – Agora, tenho uma reunião. Não te esqueças de me contar como correu tudo.

– Claro.

Quando Abe fechou a porta, A.J. já tinha o olhar fixo na parede.

David Brady. Evidentemente, o facto de admirar o trabalho dele influenciaria a sua decisão. Era verdade que, no momento preciso e em troca de uma quantia razoável de dinheiro, estaria disposta a deixar que muitos dos seus clientes fizessem qualquer coisa. Contudo, com Clarissa, era diferente. Clarissa DeBasse fora a sua primeira cliente. A sua única cliente, recordou A.J., durante os primeiros anos. Se era protetora com ela, como Abe dissera, era porque sentia que tinha o direito de ser. David Brady podia ser um produtor de êxito de documentários de qualidade, mas teria de o demonstrar pessoalmente a A.J. Fields, antes de Clarissa assinar qualquer contrato.

Há anos, A.J. tivera de provar constantemente o seu valor. Não começara a trabalhar com quinze empregados e escritórios de luxo. Há dez anos, tivera de lutar para conseguir um cliente e fechava os acordos de um escritório imaginário que era apenas uma cabina telefónica de uma cafetaria. Mentia sobre a sua idade. Não havia muitas pessoas dispostas a confiar a sua carreira profissional a uma adolescente de dezoito anos. No entanto, Clarissa confiara nela desde o princípio.

A.J. deixou escapar um suspiro enquanto afastava uma das madeixas que acariciava o seu ombro. Na verdade, considerava o seu trabalho como uma vocação, mais do que como uma profissão. Negociar, regatear, era algo quase inerente nela.

Tivera de se habituar a fazê-lo desde que era pequena. A mãe sempre fora uma mulher boa e generosa. Porém, os detalhes da vida diária nunca tinham sido o forte dela. Mesmo sendo uma criança, era A.J. que tinha de lhe recordar quando tinha de pagar as contas, atualizava a caderneta, desanimava os vendedores que batiam à sua porta e se encarregava ao mesmo tempo dos trabalhos de casa, da escola e do orçamento da casa. E não porque a mãe era uma mulher pouco inteligente ou não se ocupava devidamente da filha. Sempre lhe oferecera conversa, amor e um grande interesse por tudo o que fazia. Contudo, com muita frequência, invertiam-se os papéis entre mãe e filha. Era a mãe que dizia que um cachorrinho perdido a seguira até casa e era a filha que se preocupava com a forma como o alimentariam.

Mesmo assim, se a mãe fosse diferente, A.J. teria sido diferente também? Essa era uma pergunta que se fazia com frequência. Não era fácil enganar o destino. A.J. levantou-se e riu-se. Certamente, Clarissa teria adorado aquela reflexão, pensou.

Deu a volta à secretária e deixou-se cair na poltrona enorme que a mãe lhe oferecera. Ao contrário da secretária, um móvel sólido e de linhas simples, a poltrona era de desenho rebuscado e muito pouco prática. Quem, a não ser a mãe, teria pensado em comprar uma poltrona de couro azul porque combinava com a cor dos olhos da filha?

A.J. mudou o rumo dos seus pensamentos e pegou no contrato de DeBasse. Estava no centro de uma secretária ordenada. Nela, não havia fotografias, flores ou pisa-papéis de formas caprichosas. Tudo na secretária tinha uma função e a função era ter sucesso num negócio.

Tinha tempo para estudar o contrato antes do seu encontro com David Brady. Quando chegasse a hora da reunião, teria analisado cada frase, cada cláusula e cada possível alternativa.

Estava a tomar nota da cláusula final, quando ouviu o intercomunicador. Sem parar de escrever, levou o telefone à orelha.

– Sim, Diane?

– O senhor Brady já está aqui, A.J.

– Muito bem, há café acabado de fazer?

– Neste momento, só há restos. Vou fazer uma cafeteira.

– Mas não o tragas até te chamar. Manda-o entrar, Diane.

Regressou à primeira página do caderno e levantou-se quando a porta se abriu.

– Senhor Brady...

A.J. estendeu-lhe a mão, mas não saiu de trás da secretária. Aprendera que era importante estabelecer certas posições de poder desde o princípio. Além disso, durante o tempo que David Brady demorou a atravessar o seu escritório, teve oportunidade de analisar e julgar o que via. David Brady tinha um aspeto mais parecido com o de um cliente do que com o de um produtor. Sim, tinha a certeza de que David Brady poderia ter vendido aquela imagem de homem duro, viril e andar ligeiramente desajeitado. Imaginou-o transformado no detetive de uma série de televisão ou num cobói nómada e solitário num filme do género. Era uma pena que fosse produtor.

David também aproveitou aquela oportunidade para a estudar. Não esperava que fosse tão jovem. A.J. era uma mulher atraente, com aquela sobriedade que o encorajava a respeitá-la a nível profissional e a ignorá-la num plano mais pessoal. Parecia muito magra com aquele fato que teria parecido insípido se não fosse pela blusa vermelha com o que o acompanhava. O cabelo, loiro, tinha um corte enganosamente natural, à altura das orelhas e inclinado para a nuca. Gostou daquela pele da cor do mel que parecia ter sido acariciada pelo sol. Tinha o rosto ovalado e a boca generosa. Os olhos eram de uma cor azul intensa, que acentuavam as sombras da maquilhagem. Naquele momento, tinha-os emoldurados pelos óculos.

As suas mãos encontraram-se, apertaram-se e soltaram-se com o mesmo profissionalismo com que o faziam dúzias de vezes por dia.

– Sente-se, por favor, senhor Brady. Quer um café?

– Não, obrigado.

David sentou-se e esperou que A.J. voltasse a sentar-se à sua secretária. Percebeu que tinha as mãos em cima do contrato. Não usava anéis nem pulseiras, pensou. Só um relógio com o bracelete preto.

– Segundo parece, temos muitos conhecidos comuns, menina Fields. É estranho que não nos tenhamos encontrado antes.

– É, não é? – esboçou um sorriso educado. – Mas a verdade é que, como agente, prefiro manter-me na sombra. Já conheceu Clarissa DeBasse.

– Sim, conheci-a – portanto, preferia não ir diretamente à questão, decidiu David, e recostou-se na cadeira. – É uma mulher encantadora. Tenho de admitir que esperava encontrar alguém mais excêntrico.

Daquela vez, o sorriso de A.J. foi espontâneo e generoso. Se David estivesse a pensar nela a um nível mais pessoal, a sua opinião sobre a sua interlocutora teria mudado.

– Clarissa nunca é o que esperamos. O seu projeto parece interessante, senhor Brady, mas há alguns detalhes que gostaria de esclarecer. Em primeiro lugar, gostaria de saber que tipo de documentário tenciona produzir.

– É um documentário sobre fenómenos paranormais. Será sobre assuntos como a parapsicologia, o espiritismo, a quiromancia e as perceções extrassensoriais.

– Sessões de espiritismo e casas assombradas, senhor Brady?

David apercebeu-se da desaprovação da voz dela e interrogou-se a que se devia.

– Para alguém que tem uma vidente como cliente, mostra uma atitude muito cínica.

– A minha cliente não fala de almas penadas nem lê as folhas de chá – A.J. recostou-se na cadeira com uma posição que denotava confiança e segurança em si própria. – A senhora DeBasse demonstrou em mais de uma ocasião que é uma mulher extraordinariamente sensível. Nunca se gabou de ter poderes sobrenaturais.

– Paranormais.

A.J. respirou fundo.

– Vê-se que fez os trabalhos de casas. Sim, «paranormais» é o termo correto. Clarissa não gosta de exageros.

– E essa é uma das razões por que quero contar com ela no meu programa.

A.J. apercebeu-se de que usava o possessivo. Dissera «o meu programa», não «o programa». Era evidente que David Brady pensava no trabalho como uma coisa muito pessoal. Muito melhor, decidiu. Isso significava que não quereria fazer uma figura ridícula.

– Continue.

– Falei com médiuns, quiromantes e pessoas que se dedicam ao espetáculo. Surpreender-se-ia com a diversidade de personalidades com que me encontrei.

– Tenho a certeza – concedeu A.J., reservando a sua verdadeira opinião.

Embora David se apercebesse da diversão dela, decidiu ignorá-la.

– Falei com farsantes e com pessoas que não eram sinceras. Entrevistei os diretores do departamento de parapsicologia de universidades importantes e todos mencionavam Clarissa.

– Clarissa é uma mulher muito generosa – David voltou a detetar uma ligeira desaprovação na voz dela. – Particularmente, no que se refere à investigação.

De que não obtinha nenhum benefício económico. David deduziu que aquilo explicava a sua atitude.

– Tenciono mostrar possibilidades e expor perguntas. O público chegará às suas próprias respostas. Nas cinco horas de emissão de que disponho, haverá tempo para tudo, desde cientistas a cartomantes.

A.J. começou a tamborilar com os dedos na secretária.

– E onde encaixa Clarissa DeBasse em tudo isso?

Era o ás que tinha na manga. Contudo, ainda não estava preparado para o usar.

– Clarissa é uma mulher conhecida e que demonstrou ter, para usar a sua frase, uma «sensibilidade extraordinária». Temos como exemplo o caso Van Camp.

A.J. franziu o sobrolho, pegou numa caneta e começou a brincar com ela.

– Isso aconteceu há dez anos.

– Sequestram o filho de uma estrela de Hollywood quando está a brincar no parque sob a vigilância da ama. Pedem meio milhão de dólares de resgate. A mãe está desesperada, a polícia perturbada. Passam trinta e seis horas sem haver a menor pista sobre o menino. Os pais tentam juntar o dinheiro. Apesar das reticências do pai, a mãe chama uma amiga, uma mulher que lhe fez a carta astral e que, de vez em quando, lhe lê a palma da mão. A mulher aparece, é óbvio, e passa perto de uma hora sentada a tocar em diferentes objetos do menino: uma luva de basebol, um boneco de peluche, o pijama que o menino tinha usado na noite anterior... Ao fim de uma hora, a mulher dá à polícia a descrição do sequestrador do menino e diz-lhes a localização exata onde podem encontrá-lo. Descreve a divisão em que está e comenta que a tinta do teto está descascada. Nessa mesma noite, o menino dorme na sua cama.

David tirou um cigarro, acendeu-o e soltou uma baforada de fumo. A.J. permanecia em silêncio.

– Depois de uma notícia como essa, não bastam dez anos para se superar o impacto. A audiência ficará tão fascinada com esse caso como então.

Não devia ter-se zangado. Era absurdo reagir daquela maneira. A.J. continuou sentada em silêncio, enquanto tentava dominar a sua cólera.

– São muitas as pessoas que pensam que o caso Van Camp foi uma fraude. Desenterrá-lo dez anos depois só servirá para reavivar as críticas.

– Uma mulher na posição de Clarissa tem de enfrentar as críticas continuamente – viu o fogo que aparecia nos olhos de Clarissa.

– É possível, mas não tenho intenção de assinar um contrato que sirva para as garantir. Não quero que a minha cliente seja submetida a um julgamento televisivo.

– Um momento – David também era um homem de mau feitio e seria capaz de respeitar o da interlocutora... Se o compreendesse. – Clarissa submete-se a um julgamento cada vez que aparece em público. Se realmente não for capaz de suportar a pressão das câmaras e das perguntas, não devia estar a fazer o que faz. Sendo a agente dela, penso que devia ter mais fé nas suas capacidades.

– O que acredito ou deixo de acreditar não é um assunto seu – A.J. começou a levantar-se com a intenção de lhe devolver o contrato, mas o som do telefone interrompeu-a. Praguejando, levantou o auscultador. – Não quero chamadas, Diane. Não... Ah – A.J. cerrou os dentes e tentou recuperar a calma. – Sim, passe-a.

– Oh, querida, lamento incomodar-te quando estás a trabalhar.

– Não faz mal. Neste momento, estou numa reunião, portanto...

– Sim, eu sei – a voz serena de Clarissa num tom de desculpa chegou até ao seu ouvido, – com esse homem tão amável, David Brady.

– Isso é subjetivo.

– Tinha a sensação de que, da primeira vez, não iam gostar um do outro – Clarissa suspirou e acariciou o gato. – Estive a pensar muito nesse contrato – não mencionou o sonho porque sabia que A.J. não gostava que lhe falasse dessas coisas. – Decidi que quero assiná-lo neste momento. E, calma, sei o que vais dizer – continuou, antes de A.J. ter dito uma só palavra. Tu és a agente e sabes como este negócio funciona. Faz o que considerares melhor em relação às cláusulas do contrato e todas essas coisas, mas quero fazer esse programa.

A.J. reconheceu aquele tom. Clarissa tinha um pressentimento. E não havia maneira de discutir com os pressentimentos de Clarissa.

– Temos de falar de tudo isto.

– É óbvio, querida. Falaremos. David e tu podem tratar de todos os detalhes. Tens muito jeito para tudo isso. Deixarei que decidas as cláusulas do contrato, mas quero assiná-lo.

Com David sentado à frente dela, A.J. não podia dar-lhe a satisfação de aceitar a sua derrota com um pontapé na secretária.

– Muito bem, mas penso que devias saber que também tenho a minha própria opinião a respeito disso.

– É óbvio. Vem jantar comigo esta noite.

A.J. quase sorriu. Clarissa adorava solucionar os problemas com comida. Era uma pena que fosse tão má cozinheira.

– Não posso. Tenho um encontro.

– Nesse caso, amanhã.

– Está bem, vejo-te amanhã.

Depois de desligar, A.J. respirou fundo e voltou a olhar para David.

– Lamento a interrupção.

– Não se preocupe.

– Como, no contrato, não aparece nada em relação ao caso Van Camp, a sua inclusão no programa dependerá exclusivamente da senhora DeBasse.

– É óbvio. Já falei com ela sobre isso.

A.J. mordeu a língua, tentando não perder a calma.

– Entendo. No contrato, não figura nenhuma informação precisa sobre a posição que a senhora DeBasse ocupará no documentário. Teremos de mudar isso.

– Tenho a certeza de que conseguiremos resolvê-lo.

Portanto, ia assinar, pensou David, e ouviu as mudanças que lhe propunha. Antes de o telefone tocar, parecia disposta a mandá-lo embora do seu escritório. Vira-o nos olhos dela. Escondeu um sorriso enquanto continuava a negociar outro ponto. Não era vidente, mas apostaria que fora Clarissa DeBasse que ligara. A.J. Fields ficara presa no meio. O melhor lugar para um agente, pensou David, e recostou-se.

– Voltaremos a redigir o contrato e estará pronto amanhã.

Todos pareciam ter pressa, pensou A.J., tentado não perder a calma.

– Tenho a certeza de que poderemos fazer o documentário, senhor Brady, desde que cheguemos a um acordo noutro dos pontos.

– A que se refere exatamente?

– Aos honorários da senhora DeBasse.

A.J. folheou o contrato e ajustou os óculos que usava para ler.

– Receio que isto seja muito menos do que a senhora DeBasse costuma ganhar. Precisaremos de outros vinte por cento.

David arqueou uma sobrancelha. Estivera à espera de algo parecido, mas não naquele momento, esperara-o muito antes. Evidentemente, A.J. Fields não chegara ao lugar em que estava a fazer o que todos esperavam.

– Tem de compreender que estamos a trabalhar para uma televisão pública. O nosso orçamento não pode competir com o das cadeias privadas. Como produtor, posso oferecer-lhe mais cinco por cento, mas vinte por cento está completamente fora do nosso alcance.

– Cinco por cento não é suficiente – A.J. tirou os óculos. Os olhos dela pareciam maiores sem eles. – Sei que é uma televisão pública e de que orçamentos dispõe – esboçou um sorriso encantador. – Quinze por cento.

Típico de uma agente, pensou David, mais pessimista do que zangado. Na verdade, queria dez por cento e dez por cento era precisamente o que podia dar-lhe. Mesmo assim, aquele era um jogo que merecia ser jogado.

– A senhora DeBasse já vai receber mais do que qualquer outra das pessoas que assinaram o contrato.

– E está disposto a pagar-lhe porque será a estrela do documentário. Eu também percebo de audiências.

– Sete.

– Doze.

– Dez.

– Feito.

A.J. levantou-se. Normalmente, um acordo como aquele tê-la-ia enchido de satisfação. Porém, como ainda não tinha o seu mau feitio completamente sob controlo, era difícil apreciar o êxito.

– Estou desejosa de rever o contrato.

– Vou enviá-lo por mensageiro amanhã à tarde. A chamada de telefone... – interrompeu-se por um momento. – Se não fosse por essa chamada, não teria chegado a nenhum acordo comigo, pois não?

A.J. estudou-o em silêncio e amaldiçoou-o por ser tão inteligente e intuitivo. Todas as coisas de que precisava para a sua cliente.

– Não, não teria chegado a nenhum acordo.

– Nesse caso, certifique-se de que agradece a Clarissa da minha parte.

Com um sorriso que bastou para aumentar o mau feitio de A.J. estendeu-lhe a mão.

– Adeus, senhor...

Quando as suas mãos se encontraram, A.J. fez uma pausa. Os sentimentos que cresceram dentro dela tiveram o impacto de uma bofetada. Apreensão, desejo, raiva, deleite... Todos eles abriram caminho dentro dela quando as suas mãos se tocaram. Mal teve tempo para se repreender por ter permitido que o seu mau feitio desencadeasse aquela onda de sentimentos.

– Senhora Fields?

Estava a observá-lo, como se estivesse a olhar para dentro dele, como se acabasse de surgir uma aparição. A mão que David apertava entre as suas estava fria como o gelo e perdera a sua força. David agarrou-a automaticamente pelo braço. Aquela mulher parecia prestes a desmaiar.

– Será melhor sentar-se.

– O quê? – ainda a tremer, A.J. voltou a sentar-se. – Não, estou bem. Lamento. Devia estar a pensar noutra coisa.

Contudo, enquanto falava, quebrou o contacto visual com David e apoiou-se na secretária, como se quisesse afastar-se dele.

– Fico feliz por termos chegado a um acordo, senhor Brady. Comunicarei tudo o que falámos à minha cliente.

Começava a recuperar a cor e esclareceu o seu olhar. Mesmo assim, David hesitou. Há segundos, parecia prestes a desmoronar-se nos seus braços.

– Sente-se.

– Desculpe?

– Bolas, sente-se! – agarrou-a pelo braço e obrigou-a a sentar-se. – Tremem-lhe as mãos.

Antes de A.J. conseguir falar, estava a ajoelhar-se à frente dela.

– Aconselharia que cancelasse o encontro que tem esta noite e tentasse dormir bem.

A.J. mantinha as mãos dobradas no colo para evitar que lhe tocasse outra vez.

– Não tem de se preocupar.

– Normalmente, tendo a preocupar-me quando vejo uma mulher a desmaiar aos meus pés.

O sarcasmo das palavras dele ajudou a aplacar o nó no estômago de A.J.

– Tenho a certeza – mas, então, David segurou-lhe no rosto e ela afastou-se bruscamente. – Pare de me tocar.

A sua pele tinha um aspeto tão suave como aparentava, mas David decidiu que teria tempo para pensar nisso mais adiante.

– Era um contacto puramente médico, senhora Fields. Não é o meu tipo.

A.J. lançou-lhe um olhar glacial.

– Devia agradecer?

David questionou-se porque tinha vontade de se rir ao ver a indignação fria dos olhos dela. De se rir e de saborear a pele daquela mulher.

– Muito bem – murmurou e endireitou-se. – Não têm de trazer o café – aconselhou e foi-se embora dali antes de fazer uma figura ridícula.

Assim que ficou sozinha, A.J. dobrou os joelhos e escondeu a cara neles. O que tinha de fazer depois daquilo?, interrogou-se enquanto tentava encolher-se ainda mais. Por amor de Deus, o que ia fazer?